4.1.10

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- Desculpe-me, senhor, mas não poderei deixá-lo levar isto, são provas e devem ser analisadas.
As óbvias desculpas. Mande-as para o inferno.
- Tudo bem, querida, eu não as queria mesmo.
Deixei a capa e a camisa ensangüentadas na caixa marrom descascada, encarando a legista ordinária de sorriso falso, e saí dali. Cenas de crime e policiais perdem muito tempo com inutilidades. Se você fosse matar alguém, e fosse planejado de antemão, levaria luvas, certo? Amadores.
Olhe, mais um amador vindo, e esse nem mesmo cabelo tem.
- O senhor poderia me acompanhar?
Não.
- Claro, tenente.
- Você sabe procedimento padrão. Precisamos saber o que aconteceu.
É claro que precisam. Precisam de algo para se pendurarem, não é? O desfiladeiro tem nome e sobrenome.
- Entendo. Porém, já informei ao oficial John não saber de nada, apenas estava aqui escolhendo entre duas maçãs quando a senhorita... Claire, certo?
Aceno de concordância.
- Sim, ela mesma.
- Então, quando a senhorita Claire gritou. Virei em direção ao som e encontrei-a agonizando. Não sou médico, entrei em pânico e busquei ajuda na rua. Estávamos sozinhos quando entrei aqui, e sozinhos pensei que estávamos até vê-la daquela maneira. Se alguém entrou e a matou, o fez silenciosamente e impecavelmente, pelo visto, pois vocês nem tem idéia por onde começar. Será preciso repetir isso mais quantas vezes? – junção de olhos indicando impaciência.
- Mais quantas vezes quisermos, seu insolente. Pensa que não vamos incriminá-lo, pensa que somos idiotas? Se só havia vocês dois o tempo todo, como ela acabou com a garganta rasgada?
01:34 AM. Café da manhã vai ficar para o jantar. Desvantagens de meu dia ser a noite deles.
- Tudo bem. Vamos acabar logo com isso.
Visto desse ângulo, em meio às prateleiras da loja de conveniência, foi fácil para quem-quer-que-seja ter entrado e rasgado a garganta dela, porque nada se via além do refrigerador de bebidas. Assim como quem estava do lado de fora, se houvesse alguém, não podia ver o caixa, um cartaz de “promoção do dia” cobria o vidro.
Pobre Claire, tão bonita e simpática. Tão burra e manipulável. Sempre envolvida com traficantes para poder pagar as contas, dois filhos para criar e a desilusão, compartilhada por mim, em não ter conhecido os pais. Com seus bem distribuídos 1.74 metros, fazia o turno da noite e já havia me habituado à sua conversa aleatória para evitar o sono. Chamava-me “cutie pie” graças à minha alvidez impecável e esparsos cabelos escuros, os quais contrastavam às linhas expressivas acumuladas pelas décadas a fio e aos verdes de meus olhos. Verde, a cor do dinheiro deixado junto ao “boa noite, Claire, até amanhã”. Mas, certeza nesta afirmação, oficial John, tenente Calvo, Legista Ordinária e Desfiladeiro não fariam a mesma leitura que eu vos faço. Para eles/ela, Claire era apenas uma “atendente qualquer”, “vítima da avareza urbana”. Lugar certo, hora errada. Aliás, eu estava no lugar errado, porém a hora não poderia ser mais oportuna. Esgueirar-se, sujeira, tudo faz sentido nesta cidade. Treinados no escuro, em

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